O Brasil permanece preso na armadilha da renda média”, afirma Zeina Latif

Com debate no Insper, economista lançou o livro “Nós do Brasil – Nossa Herança e Nossas Escolhas”, que analisa os entraves ao desenvolvimento do país

Tiago Cordeiro

Desde a década de 1980, o Brasil mantém um ritmo de crescimento do PIB per capita abaixo de 0,7% ao ano. É menos do que a média do restante da América Latina, uma região caracterizada pelo baixo crescimento. O país segue preso na armadilha da renda média — saiu da pobreza, mas não consegue ficar rico. E o problema é que está cada vez mais difícil sair dessa situação.

Esse é o ponto de partida da economista Zeina Latif em seu livro Nós do Brasil – Nossa Herança e Nossas Escolhas (Editora Record, 301 páginas). “Não só o Brasil está nessa armadilha, como também está na lanterna entre os países de renda média, com uma economia que cresce muito pouco”, disse Zeina, que é sócia da consultoria Gibraltar e ex-economista-chefe da XP Investimentos. “Não é possível falar em justiça social e desenvolvimento econômico sem manter um mínimo de crescimento do PIB.”

Zeina realizou o lançamento da obra no dia 25 de abril, no Auditório Steffi e Max Perlman, do Insper. O presidente da instituição, Marcos Lisboa, abriu o evento, que contou com a participação também do economista Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas, e da cientista política e socióloga Maria Hermínia Tavares, ex-diretora do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo. “O livro faz o esforço de levar a evidência do que a ciência tem a dizer, ou da melhor pesquisa disponível sobre o tema, e trazer isso de forma acessível ao leitor, em diálogo com os problemas do país”, afirmou Lisboa.

Zeina disse ser menos difícil um país sair da pobreza do que ficar rico. Isso porque um país que consegue se organizar minimamente para cobrar tributos e fazer intervenções em setores como infraestrutura e educação básica consegue acumular capital e deixar a pobreza. “Para ficar rico, só isso não basta. É preciso dar um passo a mais para ter ganho de produtividade continuamente. Isso, sim, faz um país sair da renda média e se tornar rico”, afirmou Zeina.

Cenário de dificuldades

Maria Hermínia Tavares lembrou que outros países enfrentam dificuldades semelhantes às do Brasil. “É o caso da Turquia”, citou. “Por outro lado, Espanha, Portugal e até mesmo a Grécia saíram da armadilha da renda média.”

Para Zeina, será muito difícil o Brasil se tornar rico se depender só da atuação do Estado. “A experiência mostra que é preciso ter o envolvimento do setor privado”, disse. “Um país que enriquece é aquele que tem um arranjo institucional qualificado, um cenário estável para os negócios, mão de obra qualificada e um ambiente que desperte a capacidade de inovação.”

Abandonar o excesso de proteção estatal também é fundamental, disse a economista. “Estamos numa situação em que não conseguimos rever tempestivamente as instituições do passado que nos levaram a sair da pobreza. Nós nos acostumamos com uma intervenção estatal e agora não conseguimos rever. Culturalmente, somos defensores de todas as meias-entradas amplamente disseminadas na sociedade.”
Enquanto isso, fica cada dia mais difícil acompanhar o avanço da tecnologia, e a população envelhece rapidamente, o que reduz o total de jovens disponíveis no mercado de trabalho. “Conforme perdemos a capacidade de avançar rapidamente em reformas, podemos atingir pontos de não retorno”, disse Zeina. O cenário afeta a nova geração. “Vemos entre os jovens uma situação de desalento, com talentos abandonado o país. Eu sou filha de imigrante e não gostaria que meu filho deixasse o Brasil.”

Apesar de tudo, otimismo

Por outro lado, a autora disse ver motivos para otimismo. “A sociedade está mais exigente. Muitos jovens querem empreender e não aceitam um estado intervencionista, e tudo isso reflete no amadurecimento do debate público por uma ação estatal de qualidade. Vejo também mais concorrência na política e novas lideranças surgindo.”

Para Samuel Pessôa, o livro de Zeina retomou a tradição de obras que debruçam sobre a formação do país, a exemplo do clássico Raízes do Brasil, do historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Holanda, publicado em 1936. “O livro de Zeina é o primeiro que conheço dentro dessa tradição escrito por uma economista”, destacou Pessôa. “Além disso, a maneira de organizar os temas é original e o conjunto é muito consistente. O livro é relevante especialmente em ano de eleições.”

A questão das novas lideranças políticas ocupou parte relevante dos debates. “Esta é a última eleição em que pelo menos um candidato é da geração da transição. A partir de agora, será uma nova geração, que conta com figuras interessantes”, disse Maria Hermínia. “No segundo semestre de 2017, o próprio Congresso Nacional realizou uma bela reforma do sistema político, o que aumentou a transparência partidária”, afirmou Pessôa.

A economista Zeina Latif autografa seu livro, Nós do Brasil – Nossa Herança e Nossas Escolhas